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Especial Linda - História de vida Edição 54 - dezembro de 2011

Um leiteiro nas alturas


Sou um homem simples. Sem grandes vaidades, levo a vida com o trabalho e o suor da lida no campo. Passo os dias a ordenhar, cuidar das vacas e entregar leite. Uma vida de trabalho duro, sem férias, feriado, final de semana, nada. Só trabalho e trabalho. Uma vida comum a tantos, porém em uma coisa eu sou diferente: sonho em voar alto, literalmente.
Há muito tempo sonho em ser piloto. Esse é um desejo antigo que há dois anos vi a esperança de realizá-lo. Meu sogro encontrou em um panfleto de rua a propaganda do curso de pilotagem, foi então que resolvi correr atrás do que sempre quis e comecei a fazer o curso que acontece nas sextas-feiras e sábados, no aeroporto Luis Beck da Silva, em Santa Cruz do Sul.
Desde então, estou sempre nas alturas. Já fiz o primeiro curso, que se chama Piloto Privado, com aulas básicas que todos os pilotos devem fazer. Agora faço o segundo curso: Piloto Comercial que me dará o direito de trabalhar.
Costumo brincar que minha vida só fará realmente sentido quando puder fazer minhas entregas de leite pilotando um avião. Eu falo para os meus clientes: um dia vocês estarão dormindo e só escutarão um barulho de garrafa caindo. Serei eu entregando leite de casa em casa em um avião.
Não é nada fácil conciliar a vida de leiteiro com o curso, mas nunca pensei em desistir do sonho. O curso depende do meu trabalho para existir, já que a renda para o pagamento sai toda da venda do leite. Já cheguei a ter 12 vacas, mas com os gastos das aulas, hoje tenho apenas sete. Mas assim vou chegando cada vez mais perto da realização do meu sonho. Para ser piloto, devo ter 150 horas de voo. Cada uma custa R$220,00. Além da dificuldade em juntar o dinheiro necessário para essas aulas, a prova teórica exigida para dar seguimento ao curso é muito difícil. Todas as noites, após minha jornada de trabalho, são os livros que me esperam para passar horas estudando.
Posso dizer que não importa o tamanho do seu sonho e qual a sua atual situação, com garra a gente chega lá. O que não pode é se lamentar. Apenas para um pequeno grupo as coisas são mais fáceis, o resto tem que se virar e correr atrás do que quer. Pode parecer estranho que um leiteiro almeje ser piloto, mas isso nunca me desviou do que eu queria.
Posso dizer também que gosto do que faço, gosto de ordenhar e vender leite, mas nada neste mundo me tira a sensação de liberdade e de controle como a que senti pela primeira vez em que pilotei. É essa sensação que quero sentir daqui pra frente e as vacas que me desculpem, mas se elas quiserem me acompanhar vão ter que aprender a voar.

Leandro Luiz e Castro



1% de chance é tudo o que é preciso

Minha família sempre foi muito unida - meu pai e minha mãe, mais meus dois irmãos, o Jorni, que sempre chamei de Manão, e o Samuel. Isso até o último dia 27 de julho. Foi quando (a maioria já deve conhecer a história) o cofre que meu Manão tentava abrir explodiu, tirando a vida dele dois dias depois e me deixando com 76% do corpo queimado.
Mesmo com apenas 14 anos de idade já sei que a vida reservas surpresas, nem sempre felizes. Quem diria que numa tarde tranquila de quarta-feira, por uma fatalidade, tudo mudaria. Há quatro meses estou em recuperação no HPS, aqui em Porto Alegre. Já passei por mais de 10 cirurgias e ainda passarei por outras tantas até me recuperar o suficiente para poder voltar para casa. Não vou dizer que é fácil, pois é uma trajetória de muita provação. Aqui mato um leão por dia. Mesmo assim, não pensem que desanimei com isso tudo, pelo contrário, tenho me esforçado e superado muitas dores, e não perco a fé em dias melhores.
Eu tinha só 1% de chance de sobreviver e consegui me agarrar a essa pequena oportunidade e estar aqui hoje contando minha história. Quero muito voltar a ter uma vida normal, mesmo com cicatrizes e muitas marcas pelo corpo. Não sei dizer quando isso irá acontecer, ainda não há uma previsão de alta hospitalar. Enquanto isso, conto com o apoio dos meus pais e com a alegria do meu irmão Samuel. Sei que preciso ter força para apoiá-los, pois para eles que se mudaram aqui para Porto Alegre também tem sido desafiador enfrentar tudo isso. Mas eles não perdem a fé.
O pior é a saudade que sinto do Manão. Ele era meu parceiro, meu anjo da guarda. Lembro bem, no último domingo que passamos juntos, eu estava caindo da bicicleta e ele correu e me pegou no colo. Eu teria caído se ele não fosse tão rápido.
Tenho uma esperança muito grande, estou certo de que tudo que aconteceu teve um propósito divino. Se Deus me deu uma nova chance, com certeza ele tem um plano para minha vida, pois até os médicos que me atenderam já disseram que sou um milagre.
Por isso, minha mensagem, aqui da cama desse hospital, é: mesmo que você só tenha 1% de chance de conseguir alguma coisa, esse 1% é tudo o que você precisa. Vai em frente, com fé, que você pode ir muito mais longe do que imagina. Quero que todos que conhecem minha história saibam que é possível vencer, sempre - mesmo que você ache que está tudo perdido.

Felipe Vargas Hertz, com a colaboração da mãe Marildes Vargas Hertz


Jorni Júnior, Jorni, Marildes, Felipe e Samuel



Enquanto há vida, há esperança

Para contar essa história, que é mais da minha mãe do que minha, preciso voltar 20 anos no tempo. Na época, minha mãe, Dilene, era professora de Língua Portuguesa no Colégio Marista Roque e estava casada há cinco anos com meu pai, o professor de Biologia Amilto Dalcin.
Já com dois filhos pequenos, sem qualquer tipo de aviso, ela começou a sentir-se mal e logo veio o diagnóstico: estava com um tumor maligno cerebral. Os médicos não davam a ela mais do que um mês de vida. Contrariando todas as expectativas, ela começou a se recuperar após a realização de uma cirurgia quase inédita na época. Entretanto, apenas um mês depois, quando achávamos que tudo estava resolvido, o tumor voltou. Mesmo com todas as complicações do tratamento, ela foi melhorando e voltou para casa. Mas não voltou como antes, agora apresentava algumas limitações motoras e também na memória.
Mesmo assim, minha família nunca ficou desunida. Cresci aprendendo lições valiosas de superação com ela e de amor e compreensão com o meu pai, que nunca a abandonou, sempre a tratando com o mesmo carinho e ternura do início do casamento. Incrível como através do olhar de um para outro podemos ver o amor e cumplicidade sempre presente, até nos momentos que exigiram mais dedicação dele, como nas trocas de fraldas, banhos, noites acordado...
Em 2003, minha mãe foi novamente ao "fundo do poço", como costumamos dizer, mas se reergueu. Em 2006, mais um sério problema de saúde e ela se recuperou, sempre mostrando a todos que não importa até onde você desça, com fé, esperança e amor, é possível se levantar. A última descida foi em novembro de 2010 devido a complicações respiratórias. Hoje ela segue na luta por uma vida com qualidade.
Como agora, já vi por diversas vezes minha mãe reaprendendo coisas tão comuns como andar, falar, engolir... tudo sem nunca reclamar. Às vezes me perguntam se sofri por ter uma mãe ausente. Mas nunca senti isso, pelo contrário, dentro de suas limitações ela sempre foi presente e, mesmo que talvez inconscientemente, ela me ensinou uma das coisas mais preciosas que aprendi: que mesmo que a vida não seja fácil, que obstáculos apareçam no caminho, é preciso lutar.
Não se pode desistir da vida, dos sonhos. É preciso saber que tudo acontece por alguma razão e que para tudo dá-se um jeito. Afinal, enquanto há vida, há esperança.
Com essa esperança, meu pai, meu irmão e eu acreditamos na melhora dela, mais uma vez. A medicina evolui e isso alimenta nossa expectativa. Assim vamos seguindo nossa trajetória, todos os dias superando uma batalha em favor da vida. Batalha que completa nesse mês 20 anos além das perspectivas médicas, juntamente com o aniversário de 50 anos da minha mãe.

Vitor Dalcin


Vitor (centro) com a mãe Dilene, o irmão César e o pai Amilto



* O texto conta com a colaboração da acadêmica de jornalismo Lisane Marques.






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