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Entrevista EDIÇÃO 15 - JULHO 2008

Luciane Decker


 

Uma mulher de coragem

 

 

Há muitos heróis na vida, não são celebridades, são pessoas comuns, que fazem o que é preciso fazer enfrentando as possíveis conseqüências de seus atos. Luciane Decker, 40 anos, se tornou uma heroína no acidente que ficou marcado como a tragédia da Avenida Brasil, onde um ônibus da empresa Transporte Nossa Senhora das Graças atropelou duas pessoas, tirando a vida do comerciário João Hildo de Vargas Silva. Quando percebeu que o motorista estava desmaiado, enquanto os outros pensavam em se proteger, Luciane não teve dúvidas, pulou a roleta e com ajuda do cobrador Lisandro Paulo Ribeiro conseguiu parar o ônibus. Com seu ato de coragem, ela salvou quem sabe quantas vidas, já que o ônibus desgovernado poderia ter atingido tantas outras pessoas. Mãe de três meninas e um menino, ela conta o que viveu em 24 de junho, dia em que se deparou com uma situação que nunca imaginou viver.




Luciane: coragem para arriscar a própria vida em tentativa de salvar a de outras pessoas




"Aprendi que se algo não estiver bem, deve ser consertado logo, porque nunca sabemos se vamos sair de casa e retornar."



 

O que aconteceu no dia 24 de junho, data do acidente?

Era um dia como qualquer outro, estava vindo da Igreja do Senhor Jesus, onde diariamente faço trabalho voluntário. Depois de embarcar no ônibus, por volta das 17h, a primeira cena que chocou todos os cerca de 20 passageiros foi a do menino atropelado em frente ao Asilo Nossa Senhora Medianeira. Lembro que todos levantaram para ver o que estava acontecendo. Neste momento comecei a orar pela saúde do garoto. Logo que o trânsito foi liberado, o ônibus parou na parada em frente à Cachoeira de Tintas, não percebemos que o motorista não estava bem, até que o ônibus arrancou e começou a andar de um lado para outro da rua. Nesse momento o cobrador gritou que ele estava desmaiado.


 

O que você pensou na hora que viu que o ônibus estava desgovernado?

Achei que iria morrer. Para quem está fora, é claro que é tudo muito rápido, mas para quem vive a situação tudo parece que acontece em câmera lenta. Estava desesperada com o que poderia acontecer, mas não tive medo da morte. Lembro que disse: Jesus, se for a minha hora, eu estou pronta.


 

O que mais lhe marcou em tudo isso?

Foram cenas que eu só tinha visto em filme de terror e nunca imaginei passar por isso. Primeiro o menino atropelado, depois o ônibus atropelando tudo o que tinha pela frente, inclusive o senhor que perdeu a vida. Realmente, essas imagens nunca irão desaparecer da minha mente e nem os gritos de desespero dos passageiros que estavam no ônibus.


 

A senhora se considera uma heroína?

Não, eu apenas fiz o que era preciso ser feito. Nenhum de nós tem o dom da vida e o poder sobre a morte. Não sei nem como foi que pulei a roleta, nessas horas Deus nos dá forças que nem sabemos que temos. Quando conseguimos parar o ônibus, desci e agradeci a Deus pela vida. Afinal, não tem como falar dessa tragédia, sem falar de uma força maior, que só pode ser de Deus.



O que lhe motivou a pular a roleta e tentar parar o ônibus?

Quando vi que o ônibus estava desgovernado, pensei em deitar no chão numa tentativa de salvar minha vida, mas na mesma hora percebi que não estava ali para isso, precisava fazer algo mais. Em nenhum momento pensei que estaria arriscando minha vida em favor de outras. Só depois que tudo terminou, foi que percebi que se o ônibus batesse seria a primeira a ser jogada para fora, pois na tentativa de pará-lo fiquei durante todo o tempo sobre o motor, ao lado do banco do motorista. Mesmo assim, não me arrependo de nada e se precisasse faria tudo novamente.


 

O que mudou em sua vida desde a tragédia?

Naquele dia havia discutido com a minha filha de 10 anos ao meio-dia. Sai de casa brigada com ela. Quando cheguei de volta quis logo correr para dar um abraço e dizer o quanto ela é importante para mim. Aprendi que se algo não estiver bem, deve ser consertado logo, porque nunca sabemos se vamos sair de casa e retornar. Se eu tivesse morrido, tenho certeza que minha filha iria ficar com sentimento de remorso por eu ter partido sem que estivéssemos bem. Sempre fui muito unida com minha família e agora estamos expondo ainda mais nosso amor. Não saímos mais de casa sem nos abraçar e não passamos mais nem um dia sem dizer o quanto somos importantes na vida do outro. Vejo como precisamos nos dedicar mais a quem está em nossa volta.


 

Qual a lição que fica?

Não acredito em acaso, tenho muita fé em Jesus e sei que tudo tem um propósito e que eu estar naquele ônibus não foi casualidade. Percebo como o ser humano é frágil e como a vida pode terminar de uma hora para outra. Tenho certeza que todos que viveram esse drama irão repensar sua vida e suas atitudes. Meu desejo é cada vez mais melhorar como pessoa e poder fazer sempre mais pelo meu próximo. Acredito que precisava passar por tudo isso. Agora é seguir em frente agradecida por essa nova oportunidade de vida.

 






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