linda insta

Reportagens Edição 201 - Junho de 2025

Crendices ou verdades?


Lendas cachoeirenses que despertam curiosidades

 

Quem mora em Cachoeira do Sul, com certeza conhece alguém que jura que viu, ouviu ou até mesmo vivenciou alguma dessas histórias. São lendas urbanas que atravessam o tempo, passam de boca em boca, misturam medo, curiosidade e aquele friozinho na espinha que a gente sente só de imaginar. 


Mirian Ritzel, 64, professora e pesquisadora há mais de 30 anos, apresenta três das histórias mais famosas da nossa cidade. Vamos revisitar o clima de mistério e descobrir o que há por trás das lendas da Santa Josefa, das Sangas da Inês e da Micaela, e da enigmática Rita dos Cachos. Será que tudo isso é verdade ou não passa de invenção?  

 

Santa Josefa 

Túmulo da Santa Josefa 


Dizem que, há muitos anos, uma mulher chamada Josefa viveu por aqui. Era uma mulher negra, escravizada, que enfrentou uma vida cheia de sofrimento e injustiças. Seu dono, o senhor Costa, era cruel e a maltratava constantemente. Um dia, numa Sexta-feira Santa, ele mandou que ela preparasse sabão. Quando o sabão não saiu como ele queria, empurrou Josefa dentro do tacho quente. Ela sobreviveu, mas ficou com o corpo cheio de queimaduras. 


Pouco tempo depois, ainda carregando a dor de tudo que havia vivido, Josefa tirou a própria vida, se enforcando numa viga do quarto onde dormia. Naquela época, pessoas que se suicidavam não podiam ser enterradas no cemitério. Por isso, ela foi sepultada num terreno afastado da cidade. 


Anos depois, algo surpreendente aconteceu: um cachorro cavou o local onde Josefa estava enterrada e encontrou um dos seus braços, ainda intacto, como se o tempo e a terra tivessem se recusado a destruí-lo. Para o povo, aquilo foi um sinal divino — um milagre. A partir de então, Josefa foi vista como uma santa. 


Seu túmulo, marcado por uma cruz simples, virou um lugar sagrado. Todas as noites, as pessoas acendem velas ao redor dele, rezam terços e fazem pedidos. Muitos afirmam que ela realiza milagres. Há quem diga que até o sebo das velas queimadas ao lado da santa ajuda a curar dores no corpo. 


A história de Santa Josefa foi passada de geração em geração, mesmo que muitos não conheçam todos os detalhes do que ela viveu. O que permanece é a fé. Para muitos, ela é símbolo de força, resistência e esperança. Uma santa do povo — canonizada não pela Igreja, mas pela devoção popular que atravessa o tempo. 

 

Sangas da Inês e da Micaela 


As referências mostram que Micaela morava nas proximidades da área em que hoje se encontra o Zoológico Municipal

 

Diz a lenda que, no dia em que as sangas da Inês e da Micaela se encontrarem, a cidade de Cachoeira do Sul vai desaparecer. 


Essa história é antiga, mas ganhou força nos últimos tempos, especialmente com os eventos naturais que têm afetado a cidade nos últimos tempos. Será que a lenda tem algum fundo de verdade? 


Tudo começou há muito tempo, quando duas mulheres, Inês e Micaela, viviam em lados opostos da cidade, cada uma próxima de uma sanga. Inês era uma mulher negra, viúva de um português chamado Manoel. Vivia sozinha, triste e isolada, depois que seu companheiro adoeceu de forma misteriosa e morreu, mesmo com todos os esforços de curas caseiras e rezas. 


Numa noite, sentada na porta do seu rancho, Inês ouviu uma voz vinda das sombras dizendo que Manoel havia sido enfeitiçado por Micaela, uma mulher bonita e envolta em mistérios que morava perto da outra sanga, do lado leste da cidade. A revelação deixou Inês furiosa. Desde então, passou a acusar Micaela de bruxaria e espalhar histórias contra ela. Micaela, por sua vez, respondeu à altura, e as duas passaram a se odiar profundamente. 


Com o tempo, o ódio entre elas só aumentou, até que ambas morreram, pobres e sozinhas. Mas nem a morte deu fim à rivalidade: contam que os fantasmas das duas ainda rondam as sangas durante a noite, arranhando as margens com as unhas para tentar fazer os córregos se encontrarem. 


Desde então, a erosão nas margens das sangas aumentou, e muita gente acredita que isso é obra das duas almas em conflito eterno. Cada vez que chove forte e as águas avançam, surge o medo: será que as sangas vão finalmente se unir? E assim, o povo repete:


“Quando as sangas se encontrarem, Cachoeira se acabará”. 

 

Rita dos Cachos 

Rita era uma mulher escravizada. Não sabia ao certo o tempo em que vivia, apenas seguia os dias dentro do cativeiro. Como acontece com tantas moças, acabou se apaixonando por um companheiro de senzala, também escravizado. Viviam juntos em um cantinho simples e, algum tempo depois, tiveram um filho. Rita se dedicava tanto à criança que chamava a atenção até das outras escravas. Era um amor imenso, quase exagerado. 


Mas a tragédia chegou. Quando o menino estava entrando na adolescência, um comerciante apareceu e decidiu comprá-lo. Apesar do desespero de Rita, nada pôde ser feito. O menino foi levado de barco pelo Rio Jacuí, rumo a outra fazenda. As outras escravas, que muitas vezes achavam o amor de Rita exagerado, ficaram com pena e tentaram convencê-la a não ir até o rio se despedir. Mas ela foi mesmo assim. 


Dizem que era um dia lindo — céu azul, rio calmo. Mas a chegada da barca, que vinha buscar os escravizados vendidos, mudou tudo. Rita viu o filho embarcar e, aos prantos, o acompanhou com o olhar até que o barco sumisse numa curva do Jacuí. 


Foi nesse momento que algo nela se quebrou. Deu um grito assustador, seguido de uma risada desesperada que ecoou pelo rio. Com os olhos arregalados e sem rumo, começou a vagar pelos campos, chorando, rindo e gritando ao mesmo tempo. Passou a puxar com força os próprios cabelos, que antes eram crespos e começaram a formar cachos desalinhados — e foi assim que ganhou o nome de Rita dos Cachos. 


Com o tempo, ela passou a viver isolada, vestida em trapos, dormindo perto de uma sanga e se alimentando do que encontrava no caminho, até mesmo de animais mortos. As crianças tinham medo dela. Os adultos sentiam pena, mas ninguém se aproximava da mulher marcada por tanta dor. 


Até hoje, dizem que, em dias de céu limpo, ainda é possível ouvir o lamento triste de Rita vindo das margens do Jacuí... 






EDIÇÃO IMPRESSA


Edição 202 - Julho de 2025

BUSCADOR

Última Edição Todas as Edições
linda no face 2

Rua 7 de Setembro, 1015 - CEP 96508-011 - Cachoeira do Sul/RS
Telefone (51) 3722-9644 - (51) 3722-9600