Bebês reborn
Por trás da polêmica entre o real e o imaginário
Eles têm pele com veias aparentes, bochechas rosadas, cílios delicadamente implantados e até cabelos fio a fio. À primeira vista, parecem recém-nascidos de verdade — mas são bonecas. Conhecidos como bebês reborn, esses “bebês renascidos” surgiram entre o final dos anos 1980 e início dos anos 1990, nos Estados Unidos, como uma forma de arte hiper-realista que transforma bonecas comuns em representações quase perfeitas de um bebê humano.
O movimento começou de forma artesanal, com artistas plásticos e entusiastas modificando bonecas industrializadas. Eles removiam a pintura original, aplicavam camadas de tinta especial para criar tons de pele realistas e adicionavam detalhes como olhos vívidos e corpos com peso proporcional. Alguns, inclusive, possuem mecanismos de respiração, som e até batimentos cardíacos.
O fenômeno
Com o tempo, a prática se aperfeiçoou e ganhou adeptos em todo o mundo, entre eles, colecionadores apaixonados e artistas profissionais, que produzem bebês sob encomenda com um nível de realismo impressionante. E, recentemente, surgiu um terceiro público: aquele que passou a desenvolver vínculos emocionais com as bonecas. Nas redes sociais, é possível acompanhar postagens que se confundem com a rotina de mães de recém-nascidos, o que tem despertado curiosidade, críticas e questionamentos sobre saúde mental, solidão e o papel das redes sociais na influência de comportamentos.
O que falta nas pessoas?
Para Pauline Garske, 36, psicóloga, é nítido que a sociedade vive uma espécie de orfandade emocional coletiva. E os bebês reborn surgem nesse contexto como figuras silenciosas que acolhem sem exigir, e que escutam sem julgar. “Há um alerta importante nisso: estamos preenchendo o que falta com o que não confronta, o que pode adiar nossas próprias transformações. O que traduz essa falta e o que preenche esse vazio? O fenômeno fala mais sobre o que estamos evitando sentir do que sobre a boneca em si”, defende.
De acordo com a psicóloga, a relação tenta suprir uma carência emocional ou uma necessidade afetiva, muitas vezes, ligada a um acontecimento antigo que a pessoa ainda não conseguiu elaborar ou aceitar. É daí que surge o risco de que a fantasia se sobreponha à vida real, criando uma zona de conforto para evitar o amadurecimento, e em alguns casos, até substituindo laços reais por vínculos fictícios.
Isso faz com que a pessoa se “proteja” demais daquilo que é imperfeito, e em contrapartida, deixe de viver relacionamentos verdadeiros. “O reborn aparece como uma tentativa de preencher esse espaço com algo que parece incondicional, previsível e acolhedor. A pessoa projeta na boneca o papel de vínculo principal da vida, e passa a se desconectar das experiências humanas reais, que são imperfeitas e desafiadoras”, explica
Fragilidade psicológica
Para Lino Vili Moura Ribeiro, 45, médico psiquiatra, o “boom” dos bebês reborn ainda é muito recente, o que não permite afirmar com exatidão se há, de fato, um aumento no número de pessoas com algum tipo de disfunção afetiva além do que seria considerado saudável, ou se o fenômeno reflete apenas uma tendência de consumo, uma busca por atenção nas redes sociais.
“Os modismos surgem com frequência e se espalham, e na maioria das vezes são transitórios. Ainda não existem estudos que tracem os perfis dessas pessoas, e não é possível definir fatores específicos que as levam a ter esse tipo de comportamento, pois cada história é única e cada pessoa carrega os seus motivos pessoais para isso”, diz.
No entanto, o psiquiatra aponta uma fragilidade psicológica evidente, no caso das pessoas que “dão vida” às bonecas. “É uma perda de senso de realidade, perda de juízo crítico, perda de controle. É a fantasia tomando o lugar da realidade. É diferente de uma pessoa que coleciona bonecos e entende que, apesar do significado que eles possam ter, ainda assim são brinquedos, são objetos”, esclarece.
É uma doença?
Para Lino, não há nada de anormal na repercussão desse movimento, quando fomentado por colecionadores e admiradores. Ele compara como os jogadores de RPG, que organizam encontros, criam comunidades e se fantasiam de personagens. “Eles até fingem estar dentro do jogo, mas eles sabem que é uma brincadeira, conseguem ter esse discernimento. A preocupação está, justamente, na distorção da realidade, expressada por quem faz festa de aniversário para o bebê reborn, ou ainda, busca atendimento médico para ele, acreditando, de fato, que é uma criança viva. Isso sim é muito grave”, avalia.
Contudo, ele considera ser muito cedo para definir se a prática é considerada uma doença ou não. “Entende-se por patologia aquilo que causa sofrimento à própria pessoa ou à outra. Mas é inegável que existem, sim, quadros delirantes, de pessoas que podem ser consideradas psicóticas, e também que existem aquelas que agem por má-fé, que entram na onda só para obter algum tipo de benefício. Essas pessoas já perderam o senso crítico e não se preocupam com o que os outros pensam. Para elas, tudo bem ostentar essa fantasia simplesmente para chamar a atenção”, diz.
Faixa de preço
No Brasil, os preços dos bebês reborn variam bastante dependendo de alguns fatores, como o nível de realismo, os materiais usados, e se é feito por um artista renomado ou não. As bonecas de menor custo variam de R$ 200,00 a R$ 500,00, mas os detalhes não são tão realistas e não enganam de perto. A segunda faixa varia de R$ 600,00 a R$ 1.500,00, e são bonecas feitas artesanalmente por artistas independentes.
A terceira faixa, considerada “premium”, se refere a um trabalho artístico com nível profissional mais elevado, feito por artistas renomados. Os preços variam de R$ 2.000,00 a mais de R$ 5.000,00. E, por fim, a categoria voltada aos colecionadores. Geralmente, as bonecas são feitas em edições limitadas e têm funcionalidades mais avançadas. Os preços partem de R$ 3.000,00 e podem ultrapassar os R$ 10.000,00.
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