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Reportagens Edição 164 - Janeiro e Fevereiro de 2022

Heróis da vida real


Os bastidores de quem trabalhou para vencer a pandemia

 

 

Quando falamos em herói, logo nos vem à mente os personagens da ficção. Isso, de certa forma, deturpa o conceito que formamos da palavra. Nunca vamos nos considerar heróis se nos compararmos com Batman, Mulher-Maravilha, Homem de Ferro ou Capitão América, por exemplo.  

 

Atos heroicos acontecem todos os dias e isso é tão normal para algumas pessoas que elas nem percebem que estão executando ações excepcionais com a mesma coragem e bravura de um personagem de ficção. O termo herói é atribuído também ao intuito de solucionar situações críticas tendo como base princípios éticos. 

 

Fechamos dois anos de pandemia e todos nós tivemos a oportunidade (e ainda estamos tendo) de sermos o super-herói na vida de alguém. Vivemos fortes emoções dentro de nosso hospital em Cachoeira e alguns profissionais da saúde sentiram no coração a missão de fazer aquele “pouquinho mais”. E essa dose extra de amor ao próximo foi decisiva para salvar muitas vidas. Temos muitos motivos para nos orgulharmos de nosso hospital e valorizarmos os tantos heróis que foram revelados lá dentro.

 

Aos 36 anos de idade, a médica Camila Roggia voltava a morar em Cachoeira depois de ter concluído a residência em gastroenterologia. Ela chegou de Santa Maria em fevereiro de 2020 pronta para exercer a especialidade que escolheu. Porém, viu seus planos mudarem do dia para a noite. “Não tive tempo de pensar em mim. A UTI precisava de médicos e era ali que eu tinha que ficar. Enquanto estudávamos e tentávamos entender os sintomas e o tratamento da covid, recebíamos pacientes em estado grave já. Era uma doença nova, de evolução clínica imprevisível e com múltiplas complicações. Fomos aprendendo na prática”, conta Camila, referindo-se também aos outros médicos e colaboradores do hospital. 

 

Mesmo tendo uma carga horária muito pesada, ela ficava além do tempo para auxiliar colegas novos e recém-formados que vinham ajudar nos fins de semana. “Já tive que, mais de uma vez, continuar no plantão porque o colega simplesmente não apareceu e não tinha quem assumisse”, conta. O que nos impressionou é que, mesmo assim, Camila chamava atenção pelo carinho e paciência que tinha com os familiares dos internados. “Não eram permitidas visitas e, em caso de óbito, a maioria dos pacientes não poderia ser velado. A dor nas famílias nesta hora era nossa dor. Ter que intubar pacientes e vê-los despedirem-se de familiares por telefone antes da sedação era algo que mexia demais com a gente. Tive que falar com dezenas de pessoas, todos os dias, dando informações do quadro clínico dos pacientes”.  

 

Um dos momentos mais tensos para todos os profissionais de saúde, segundo a médica, foi quando os leitos de UTI se esgotaram e a demanda aumentou em grande velocidade. “Tivemos que priorizar salvar a vida dos mais jovens, ou seja, escolher quem seria intubado. Foram dias muito tristes e assustadores”, desabafa a jovem. Essa realidade que Camila viveu foi a realidade de vários médicos, enfermeiros, técnicos e toda equipe de funcionários do hospital. Podemos dizer que muitos deles praticamente “moraram” lá dentro durante todo o pico da pandemia. 

 

Nesse período, todos eles tiveram que lidar com questões pessoais que tornaram o seu trabalho ainda mais desafiador. Viram familiares e amigos sendo internados, receberem alta, irem a óbito e ainda tiveram que lidar com o medo de transmitir a doença para as pessoas de seu convívio. “Quem está de fora não tem ideia do que se passa numa UTI covid. Vivemos uma guerra durante meses, na trincheira, em exaustão, com carga horária elevada, alimentação inadequada, sem sono reparador, com pressão psicológica, falta de medicamentos, de equipamentos, de profissionais. Também somos humanos e estávamos cansados. Assistir a uma parcela da população simplesmente ignorando a pandemia e os cuidados era desanimador. Observar indivíduos duvidando da eficácia das vacinas foi igualmente frustrante”, desabafa.  

 

Mas, infelizmente, o pior ainda estava por vir no meio desse caos todo. “ Eu e meu pai (o engenheiro Bernadino Roggia, 67) contraímos a doença. Voltei a trabalhar ainda me recuperando de uma pneumonia bacteriana secundária à covid. Em casa, percebi que meu pai estava piorando e tive que interná-lo no hospital. Éramos somente dois médicos fazendo a rotina da UTI e não havia outra opção a não ser cuidar do meu próprio pai. Eu estava bem emocionalmente, até que as lesões pulmonares dele progrediram e ele começou a apresentar sinais de falência respiratória. O sentimento foi de desespero. Eu tinha que ser filha naquele momento, não a profissional assistente. É muito complicado assistir um familiar diante de uma doença nova, em que a evolução pode ser catastrófica. Um colega da cidade me indicou um médico e um hospital em Porto Alegre. Tomei a decisão de transferi-lo. Meu pai não resistiu e faleceu 13 dias depois”, conta. 

 

Camila não teve tempo de viver o luto e sentia no coração o compromisso de seguir trabalhando. “Porém, cerca de dois meses depois da morte do pai, meu psicológico não aguentou. Eu estava no automático, engolindo minha dor sem conseguir processar tudo que eu havia passado. Pedi afastamento para organizar meus pensamentos e me reerguer e, assim que estava apta, retornei. Este período durou cerca de um mês e foi a única vez em que estive longe da UTI covid desde o início da pandemia. A UTI se tornou nossa missão e nossa segunda casa. Era a nossa esperança por dias melhores” fala Camila. 

 

Atualmente, a médica ainda atua na mesma UTI, contudo, de forma menos intensa. “Estou podendo focar na minha especialidade, que é a gastroenterologia e endoscopia. Fiquei muito abalada com a morte do meu pai. Ter que viver aquela doença todos os dias se tornou pesado demais para mim, mas me reergui, porque eu tinha que estar lá, alguém tinha que estar. A sociedade precisava de mim e dos meus colegas, que não mediram esforços para combater essa doença devastadora”, finaliza. 

 

 

Conheça também estes heróis da vida real que trabalham no Hospital de Caridade e Beneficência (HCB) de Cachoeira do Sul


Suelen Gomes Machado, 32, enfermeira 



Yuri Feijó Fagundes, 27, auxiliar de higienização 



Alexandre Ribeiro Porciuncula, 36, setor da manutenção 



Andréa Corrêa Santos, 49, enfermeira 

 

 

Qual habilidade precisou desenvolver do dia para a noite?  

Yuri: ajudar incondicionalmente. Tive que estudar e aprender tudo muito rápido para poder aplicar. 

Suelen: a resiliência! Entendi que não temos a capacidade de controlar tudo, Com isso, fortaleci minha fé.  

Alexandre: a agilidade! Tivemos pouco tempo para montar a UTI covid, a enfermaria e o hospital. Fizemos em tempo recorde.  

Andréa: a empatia! Precisei como nunca me colocar no lugar dos outros.

 

 

Que atitudes heroicas pode dizer que presenciou ou que realizou? 

Yuri: a recuperação do nosso primeiro paciente foi o mais heroico que presenciei. Ele chegou a ser entubado e se recuperou.  Fui a primeira pessoa a se vacinar na cidade, quando pouco se sabia sobre os seus efeitos.

Suelen: montar uma equipe para formar a unidade de atuação na linha de frente, em março de 2020, sabendo que o vírus era mortal, foi uma atitude heroica. Nunca vou esquecer os olhos deles no primeiro dia, cheios de expectativas, vontades e medo. 

Alexandre: presenciei amigos e pacientes se recuperando milagrosamente graças a toda equipe hospitalar que deu o melhor de si. 

Andrea:  lembro de um pai de família que saiu do conforto da sua casa para se isolar em um local fechado, sem móveis e pequeno. Para cumprir sua quarentena e proteger a família do vírus, ele ficou neste espaço. Poucos reconhecerão a grandeza deste gesto. 

 

 

O que mais te marcou durante a pandemia? 

Yuri: foi ver a esperança dos familiares, as correntes que se formaram durante a pandemia e as alianças criadas do zero entre as pessoas. 

Suelen: ter que ver essas mais de 50 pessoas sob minha responsabilidade tendo que lidar com 17 pacientes em estado grave foi marcante. 

Alexandre: sem dúvidas foi perder amigos para esta doença. 

Andréa: a vulnerabilidade dos homens frente a um vírus novo.

 

 

O que te deu forças  para ir trabalhar todos esses dias?  

Yuri: recebi a notícia de que seria pai poucos dias depois de iniciar na UTI covid. Isso me motivou e me encorajou, porque eu sabia que um dia minha filha ia saber disso e se orgulhar. O exemplo que damos para os nossos filhos é o principal legado que podemos deixar. Neste mês de janeiro, a Maria completa seu primeiro ano de vida. 

Suelen: além de distrair a mente com leitura e passar um tempo com a família, eu fiz terapia e fortaleci muito a minha fé.  

Alexandre: o que me ajudava era ter fé e rezar todos os dias. 

Andréa: minha família me apoiou muito e ajudou a superar os momentos mais difíceis. 

 

 

Se pudesse adquirir um superpoder, qual seria?  

Yuri: a cura, sem dúvidas! 

Suelen: ter a velocidade do Flash (personagem da DC Comics que é bastante veloz). Assim conseguiria resolver todos os problemas simultaneamente. 

Alexandre: a cura! 

Andréa: prever o futuro para saber qual risco se aproxima e em que proporção.  






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