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Reportagens EDIÇÃO 27 - JULHO 2009

Neurônios conectados


Geração digital chega ao mercado de trabalho trazendo um novo comportamento para as empresas

 

Ninguém tem dúvidas, a internet veio mesmo para revolucionar o mundo das comunicações. O acesso à informação não é mais privilégio de ninguém, basta um clique e o mundo se abre diante de uma tela, trazendo notícias e respostas para quase tudo. Nem precisa ser rico, o acesso a ela pode ser feito em casa, no trabalho, na escola e nas conhecidas lan houses, que ganharam fama por oferecer um computador conectado à internet até por menos de R$ 1,00. Entretanto, tanta facilidade está causando grandes transformações no comportamento da maioria dos adolescentes. Apesar de a internet ser uma ferramenta fundamental, seu uso como única fonte de busca por conhecimento formou uma nova geração que sabe desde a crise econômica, passando pelos avanços da medicina, a nova epidemia, até a mais recente turnê de grupos famosos, porém todos esses conhecimentos são superficiais.
São notícias encontradas no Google, mas que não oferecem uma linha de raciocínio. Quando questionados com mais profundidade sobre qualquer um desses assuntos, eles têm dificuldade de analisar as informações e acabam dando respostas vagas sobre o contexto dos acontecimentos. Um comportamento bem diferente da geração dos livros, vivida por quem já passou da casa dos 20 anos e que precisava pesquisar em enciclopédias seus trabalhos escolares. O acesso à informação não era tão amplo, mas o conhecimento do contexto era maior, proporcionando uma inegável visão de profundidade. Essa grande diferença em relação às antigas gerações está causando preocupação em quem analisa de perto a chegada dessa nova geração ao mercado de trabalho.

A psicóloga especialista em gestão de pessoas Cecília Chaves, 39 de idade, sendo sete de profissão, tem convivido com a geração digital não só nas seleções para o mercado de trabalho, mas em sala de aula. “Quando se exige reflexão percebo que não existe um tempo para parar, raciocinar, tentar entender e absorver as in-formações e sim um recortar e colar dos sites. Isso ajuda num primeiro momento, mas os deixa dependentes da tecnologia”, observa. Para ela, a receita para o sucesso de uma empresa é mesclar a equipe de trabalho, com geração digital e geração livros. “Enquanto a geração livro exige análise detalhada do contexto para tomada de decisões na empresa, por outro lado está a digital, impaciente e acostumada a respostas na velocidade do Google, exigindo objetividade da liderança das organizações”, ressalta.
O chefe de redação do Jornal do Povo, José Ricardo Gaspar do Nascimento, o Ricardão, 42 anos de idade e 20 dedicados à profissão, acompanha de perto as transformações que a internet tem causado nos jovens, inclusive com um estudo sobre o tema que foi apresentado a educadores em busca de uma forma de diminuir essa diferença tão expressiva de comportamentos. Ele analisou dois repórteres contratados para o JP, ambos com 17 anos. A primeira, em 1999, assim que entrou na redação aprendeu o trabalho, havia lido alguns livros e conseguiu se destacar, partindo em poucos anos para o serviço público, onde foi aprovada em um concurso e seguiu na carreira jornalística. O segundo foi contratado em 2006 e assim como a repórter, era o aluno que mais se destacava dentro da sua turma de colégio. Dominava todas as ferramentas da internet e possuía muita facilidade com computador, mas seu desempenho era muito inferior na hora de escrever um texto. Seu raciocínio não era tão apurado como o da repórter que iniciou carreira em 1999.
DIAGNÓSTICO - “Isso porque faltou leitura, faltou ler livros. Quando se busca o resumo no Google encontra-se uma conclusão, mas não a linha de ra-ciocínio, já quem realmente lê o livro passa pelo processo de identificação, comparação, classificação, análise, sintetização e então a conclusão”, observa. Essa transformação na juventude que chega ao mercado de trabalho tem influenciado diretamente os processos de seleção. O Jornal do Povo, que sempre contratou repórteres através de testes de conhecimentos gerais e redação, foi obrigado a abandonar o sistema por não conseguir contratar ninguém através deste método desde final de 2005. “A maioria que fazia as provas não conseguia montar uma linha de raciocínio, tinha dificuldades com a escrita e muitas vezes não conseguia ordenar as ideias. Isso não aconteceu somente aqui, muitos outros jornais estão com dificuldade de selecionar repórteres, inclusive os que têm formação em jornalismo, e estudam novas formas de contratação”, observa.

 


De volta ao mundo dos livros


Apesar desse novo comportamento causar estranheza e preocupação por quem acompanha a chegada dessa nova geração de jovens ao mercado de trabalho, não há como negar que a internet veio para facilitar as comunicações. Porém, especialistas alertam que essa poderosa ferramenta deve ser usada como um complemento na construção do conhecimento e não como única ferramenta de estudo. Muitas escolas têm adaptado sua proposta pedagógica para que a internet possa agregar benefícios ao aprendizado. De acordo com a professora de Língua Portuguesa e orientadora pedagógica Magda Scotta Hentschke, 59 anos de idade, sendo 40 de experiência, os educadores precisam se adaptar a essa nova fase da tecnologia.
“Nesses anos todos trabalhando pela educação acompanhei muitas fases, do mimeógrafo ao xerox, e agora acompanho a fase da internet e afirmo, sem dúvidas, que ela deve sim estar inserida no contexto escolar, não há como virar as costas para essa ferramenta, sob o risco dos alunos saírem da escola em busca de colocação no mercado de trabalho com uma grande lacuna no conhecimento”, ressalta. No Colégio Barão do Rio Branco, onde leciona, alguns métodos de avaliação já foram mudados em virtude da internet. Por exemplo, não são mais solicitados resumos de livros nas aulas de Literatura e sim uma apresentação sobre a obra, com questionamentos do professor ao final do trabalho. “Dessa forma o aluno não tem como saber somente o resumo buscado no Google, ele precisa ter lido. Esse foi um dos jeitos que encontramos para incentivar o uso da internet, mas exigindo a leitura de livros”, observa Magda.

 

 

Magda: política de trabalho do Barão incentiva o uso da internet como uma ferramenta para agregar conhecimento aos alunos





 


O que os cachoeirenses pensam sobre essa revolução na nova geração


“Percebo essa diferença de comportamento, com certeza. Os jovens da geração atual têm muita facilidade para circular por diferentes espaços virtuais de aprendizagem, conseguindo reunir uma quantidade enorme de informação em pouco tempo. Por outro lado, há uma dificuldade desses mesmos jovens em conseguir filtrar todas essas informações. Em função disso, eles, muitas vezes, não conseguem se aprofundar e avaliar aquilo que realmente é importante na construção de seu conhecimento”. 
Margarete Curto Schütz, 50, coordenadora do Núcleo de Tecnologia Educacional da 24ª Coordenadoria Regional de Educação



 

 

“Sou da geração dos livros, então criei esse hábito pela leitura e mantenho até hoje. Com certeza, foi fundamental para minha formação em Direito ter um conhecimento mais aprofundado sobre determinados assuntos. Além disso, a leitura é a chave para uma boa comunicação e também para saber ordenar ideias na hora de escrever. Considero a internet fundamental, é uma importante ferramenta de apoio, mas deve ser bem utilizada. Por exemplo, já tive perfil no Orkut, mas há dois anos resolvi excluir porque vi que perdia muito tempo com atualizações e recados, algo que acabava não me acrescentando conhecimento. Hoje dedico essas horas à leitura”.
Nifer Betat, 24, acadêmica do nono semestre de Direito






 

 

“Certa vez um professor do colégio disse que para ter um conhecimento básico era necessário ler dois jornais por dia, uma revista por semana e um livro por mês. Nunca esqueci do ensinamento e concordo com ele, entretanto cumprir isso não é fácil. Com a correria do dia-a-dia acabamos indo buscar respostas na internet pela praticidade e economia de tempo. Diariamente acesso sites de notícias e fico sabendo o que está acontecendo no mundo, cresci nessa geração digital então mudar hábitos não é tão fácil. Acredito que a chave para não deixar a internet se tornar a única fonte de conhecimento é o jovem saber dosar as horas de navegação e as horas de leitura”.
Vinícius Csaszar, 19, acadêmico do terceiro semestre de Administração




 

 

“Com certeza a internet é fundamental, traz muitas informações, entretanto o prejuízo está em ser informações prontas, sem construir o conhecimento. A mudança desse perfil estritamente digital irá acontecer somente por vontade da própria juventude. É preciso que os jovens se conscientizem da importância de lerem, de apurarem sua linha de raciocínio, buscarem um conhecimento profundo, e isso não pode ser obrigado, precisa partir dos próprios jovens”.
José Ricardo Gaspar do Nascimento, 42, chefe de redação do Jornal do Povo








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